Da condição docente: primeiras aproximações teóricas
Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resultamais numa tentativa. O que também é um prazer. Poisnem tudo eu quero pegar. Ás vezes, quero apenas tocar. Depois, o que toca às vezes floresce e os outros podem pe-gar com as duas mãos. (Clarice Lispector)
RESUMO: O artigo contém um esforço de tocar na docência, obser-vando sua textura e procurando decifrar seu texto. Nele estão conti-das algumas aproximações teóricas acerca da condição docente, pro-curando compreendê-la em sua fundação e realização nos dias atuais,em busca da matéria prima e historicidade que a constituem. Desen-volve-se o argumento de que a condição docente se instaura e se rea-liza a partir da relação entre docente e discente, presente nos territó-rios da escola e da sala de aula, em especial. Palavras-chave: Condição docente. Professores. Relação docente/
ON THE CONDITION OF TEACHERS: FIRST THEORETICAL APPROACHES
ABSTRACT: This paper is an effort to deal with teaching, observingits texture and trying to decipher its text. It contains some theoreti-cal approaches on the condition of teachers that seek to understandit in its foundation and current realization, in the pursuit of the raw
Este artigo é uma versão resumida de trabalho encomendado pelo GT de Formação de Pro-fessores da ANPEd. Foi apresentado, oralmente, em sua versão integral, em Mesa promovi-da por este GT, na Reunião da ANPEd realizada em Caxambu (MG), em outubro de 2006. Aversão inicial do trabalho foi apresentada e debatida em seminário de pesquisa e estudosdos pesquisadores do PRODOC/FAE/UFMG, em agosto de 2006, colegas aos quais agradeço pe-las importantes contribuições.
Doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected]Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 99, p. 426-443, maio/ago. 2007
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material and historicity that constitute it. The argument developedis that the condition of teachers is established and realized on thebases of the relationship between teachers and students found in theschool premises, more particularly in the classroom. Key words: Condition of teachers. Teachers. Relation between teachers
ste artigo é um esforço de tocar na docência. Seja tentando alcançá-la à procura da matéria de que é feita; seja observando-a com umolhar de estranhamento, como quem a vê pela primeira vez; seja ten-
tando sentir sua textura e decifrar seu texto. Aqui estão questões e idéiastrazidas como ponto de partida, mais do que de chegada. Como platafor-ma da qual possamos alçar, retocando olhares, (re)inaugurando perspecti-vas. Interrogando um pouco mais.
Não se trata aqui de explicar, mas de implicar-se. Quiçá não se
trate de conhecimento, mas de discernimento. Talvez não seja este umtrabalho completo e acabado, mas inacabamentos. Trata-se, aqui, de to-car, porque tocar é da ordem do que nos atinge, do que nos concerne. Éalgo que nos afeta. Como falar da docência deixando de lado as afeições,as afetações? E depois, retomando Lispector, “o que toca às vezes florescee os outros podem pegar com as duas mãos”.
Os professores e professoras são muito falados. Personagens conhe-
cidos de todos, estão sempre presentes nos espaços públicos e privados, aolongo dos anos, dos meses. Do dia: eles e elas amanhecem com as cidades,com as vilas, surgindo nas ruas dos bairros ou caminhando pelo campoem direção à escola, nas primeiras horas da manhã. Por vezes, recompon-do esperanças de dias melhores, na vida que se renova a cada alvorecer, napaisagem que desperta, esplendorosa, em cada criança, adolescente e jo-vem. Da noite: nestes territórios das cidades, das vilas e povoados, os pro-fessores vão chegando e saindo em direção às escolas noturnas, no avançardas horas, quando irão encontrar os jovens e adultos que lá estão, uns eoutros, docentes e discentes, depois de um dia de trabalho e atividades. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 99, p. 426-443, maio/ago. 2007
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Da condição docente: primeiras aproximações teóricas
Nestes percursos, eles e elas se tornam tanto visíveis quanto ex-
postos. Deles e delas, professores e professoras, sempre alguma coisa secomenta e algo se lembra. Do miúdo das conversas entre familiares,crianças e jovens aos discursos de políticos e ditas autoridades, inter-nas ou externas às escolas. Na vida corriqueira e em grandes momen-tos, deles e delas se fala. São matérias de jornais; estão na mídia, quasediariamente. Também dessa gente se lembram as legislações, as refor-mas e os projetos educacionais e pedagógicos, ou ainda, os congressos,conferências, os eventos científicos de que são temas e protagonistas.
Na pesquisa também não poderiam faltar. Os docentes nela es-
tão tematizados como sacerdotes, como uma segunda mãe, como tra-balhadores, como profissionais, como proletários, ou um pouco de cadacoisa. Há, também, quem os compreende a partir de suas responsabi-lidades sociais, de seus papéis e funções educativo-escolares, definidosna divisão social e sexual do trabalho. Ou, ainda, neles se fala e delesse fala em programas e projetos para a sua formação, inicial ou conti-nuada, em serviço ou nos espaços acadêmico-formais, em moldespresenciais ou a distância, dentre outras tantas de suas modalidades. Existem, ainda, os estudos que tentam apreender os saberes, práticas eidentidades docentes, além daqueles que se debruçam sobre as vidas, ocotidiano e a história presente e pretérita, mais remota ou mais recen-te, do magistério. Discute-se, igualmente, o trabalho docente em vári-os recortes e enfoques, dentre outras formas, questões, conteúdos e con-textos em que os professores e professoras vão sendo ditos e desditos,benditos e malditos. Vão sendo escritos.
Neste trabalho, eles e elas estão presentes, novamente. Trazemos à
cena estes sujeitos da educação e da escola, tentando interrogar as basesque os constituem sem, contudo, substancializar a discussão. Com estepropósito, buscamos aproximar-nos teoricamente do que denominamoscondição docente: a situação na qual um sujeito se torna professor. Pro-curamos algo que seja a origem, o que funda, o que principia, sem o quenão se pode falar em mestre, nem em professor, nem em trabalhador daescola, nem em profissional da educação. Como também não podería-mos falar em proletário, nem em professor disto ou daquilo, no sentidodos campos disciplinares, nem em qualquer outro termo com os quaisos mestres vem sendo denominados, (re)conhecidos ou estudados. Tal-vez possamos dizer que buscamos os fundamentos para se pensar os/as
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professores/as, suas vidas, seu trabalho, suas experiências, identidades ehistórias, em seus particulares enredos no mundo, frente a outras condi-ções e sujeitos sociais, frente a outros grupos de pertencimento. Sendoassim, aqui tentamos deslindá-los a partir da matéria de que são feitos –o que os instaura, institui e constitui: sua fundação.
Feito isso, para não substancializar a discussão e o entendimento
desta problemática, tomando a condição docente como algo que tenhauma essência, como natural, imutável ou substantivado, discutiremos osconteúdos e formas de sua realização. Nesta direção, procuramos com-preender, da condição docente, sua textura e seu texto no mundo con-temporâneo, tentando discutir algumas das mediações e figurações pelasquais ela se apresenta.
Condição é um termo semanticamente rico. Do latim conditio, o
vocábulo condição tem origem no condo – is,conditio, e corresponde, porum lado, ao grego kríois (fundação, criação) na acepção de ato e ação decriar. Por outro, se entende por conditio o estado, o status, a situação deum ser no conjunto de realidades ou de um homem na sociedade. Estesentido está presente ao falar-se de “condição social” e tem sido muitoexplorado na expressão “condição humana”, entre outros de seus usos esignificações.1
Neste trabalho, nos servimos deste vocábulo nestes dois senti-
dos: do que funda ou do que cria (aquilo que dá origem, que instaura)e, também, referindo-se a um estado, a um conjunto de realidades oua uma situação de um homem na vida social.
Tentando compreender a condição docente em sua fundação e ori-
gem, como o que funda ou como a matéria de que são feitos a docênciae o docente e, ainda, como o estado que constitui a docência em suahistoricidade, em sua realização, encontramos uma relação. A docênciase instaura na relação social entre docente e discente. Um não existe semo outro. Docentes e discentes se constituem, se criam e recriam mutua-mente, numa invenção de si que é também uma invenção do outro. Numa criação de si porque há o outro, a partir do outro.
O outro, a relação com o outro, é a matéria de que é feita a
docência. Da sua existência é a condição. Estamos, pois, nos domínios
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da alteridade. O outro está ali, diante do professor, da professora, po-dendo sempre surpreendê-lo, instaurando o inédito em sua açãoinstituinte, tanto quanto repetir ou repor o conhecido, o instituído. O outro está ali, efetivamente ou virtualmente presente, na educaçãopresencial ou na educação a distância, como se costuma chamar umae outra.
Trata-se, ainda, de uma relação entre sujeitos sócio-culturais,
imersos em distintos universos de historicidade e cultura, implicadosem enredos individuais e coletivos. E trata-se, sobretudo, de sujeitoscuja condição de existência, cuja origem primeira está na corporeidadeque se inscreve, por sua vez, nas temporalidades do transcurso da exis-tência humana, em rítmicas da vida bio-psico-social e nos ciclos vitais. Desse modo, docentes e discentes localizam-se, geralmente, em dife-rentes gerações humanas.
Visto que se instaura em uma relação entre sujeitos sócio-cultu-
rais, constituindo-se na relação, a partir dela e nunca fora dela, a condi-ção docente é, antes de tudo, da ordem do humano. Mesmo quando nelaocorrem atos de violência e de imposição de uma das partes, mesmo queporventura um dos pólos se desumanize, ela pertence aos territórios dohumano. Seja quando se realiza em processos heterônomos – desumani-zadores – ou quando se dá em processos de autonomia, seja como socia-lização, como subjetivação, como emancipação, a docência sempre dizrespeito aos humanos, a seus encontros, desencontros, entendimentos econflitos; às suas tensões e incompletudes. A seus devires.
Presente no humano e na vida em comum, estamos nos domíni-
os do social, da cultura, da polis. Estamos no domínio do político. Uma vez originada em interações sociais presentes no cenário da vidaem comum, a condição docente é, também, da ordem do político.
Tendo em vista a existência de outros tipos de relações sociais no
conjunto do tecido social, interações igualmente marcadas pelaalteridade, pela ordem do humano e do político, o que particulariza arelação docente/discente diante de outras relações sociais? Qual a sua par-ticular textura? Qual o visco, os tons e a trama dos fios que a tecem?
Na matéria de que é feita a docência, uma das particularidades a
se considerar é a das temporalidades nela implicadas. Há uma vida queamanhece na infância, que vai crescendo no jovem e se completando noadulto, que ali se colocam no lugar dos discentes. A criança, o jovem, o
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adulto discente, este outro é uma vida outra, uma corporeidade singu-lar e indivisível. É um outro sujeito sócio-cultural, corporal, psíquico,ético, estético, político, que habita tempos e espaços. Um outro que énatividade na infância e nas novas gerações que aportam na vida social. E que não pode ser deixado à deriva, lembrando Arendt (1979).
Quanto aos docentes, em seu tempo/lugar de gerações adultas,
estes têm uma responsabilidade específica nesta relação. Estão encarre-gados de acolher, apresentar e interrogar o mundo junto a estes novoschegantes. Responsabilizando-se pelo trabalho com a cultura, com amemória cultural, devem construir bases para que as novas gerações,apropriando-se do passado, possam reinventar a vida em comum, rea-lizando o novo de que são portadores, livrando-se do risco de repetir ojá feito; afastando o esquecimento, para que o passado não se repita,conforme Arendt (1979) e Adorno (1995), respectivamente.
Nessas lidas com os novos, na trama das temporalidades que as
constituem, a relação docente/discente diz respeito à vida, à nativida-de, ainda segundo Arendt. Trata-se, aqui, do cuidado com os novoschegantes e do zelo com a memória. Nesse sentido, na docência estãopresentes o passado, o presente e o futuro, na esperança que aporta nodevir da vida em sua floração na infância, no adolescente, no jovem,para o qual o conhecimento, trazido ao ato pedagógico, é relevante. Natextura da relação docente estão, pois, imbricados o velho e o novo, oprojeto e a memória, o havido e o devenir, o atrás e o adiante. Por isso,a relação docente/discente contém sempre a esperança.
Inserida na cultura, esta relação é mediada pelo conhecimento. Mais
do que isso, pela memória cultural a ser transmitida e interrogada, algomuito maior do que os conteúdos dos campos científico-disciplinares.
Por ser assim, estamos, também, em uma relação cujo sentido e
dinâmicas nos remetem aos processos de formação humana que se com-põem, entre outras de suas vigas, das possibilidades do aprender e doensinar, do transmitir e do apropriar-se dos conhecimentos e saberesexistentes, sejam eles dos campos disciplinares ou outros tipos de co-nhecimentos e saberes socialmente produzidos, selecionados e distri-buídos. Conhecimentos e saberes a serem apresentados e interrogados,não como algo acabado e natural, mas dinâmico. Historicamente cons-truídos pelo trabalho e agenciamentos de longas cadeias de grupos e gera-ções humanas no jogo das forças, dos conflitos e tensões sociais. Saberes e
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conhecimentos vindos das escolhas e contingências em que foram sen-do criados, mediante os quais o mundo foi sendo reinventado em pen-samentos, idéias e palavras, foi sendo simbolizado e sistematizado, foisendo grafado, nos tempos e espaços da vida cotidiana, tanto quantonos largos e longos espaços e temporalidades das durações históricas.
Esta particularidade exige que os docentes elejam concepções e
prioridades que irão se traduzir em propostas curriculares das escolas,por exemplo. Nesse sentido, a docência está implicada com os proces-sos de formação humana, nos quais os conhecimentos científicos têmimportância, sem que a esgotem, visto sua insuficiência diante daspotencialidades e dimensões da vida humana a serem desenvolvidas. Desse modo, sempre mediada pelos processos de construção do conhe-cimento, de transmissão, questionamento e renovação da memória cul-tural, a docência, o que a instaura e constitui, sem o que não é possívela sua existência, não é o campo disciplinar, não é o que se ensina, ondeou como se ensina. Não se trata de saber se estamos no campo ou nacidade, se em um barco ou se em uma sala de aula, se o que se ensinaé português, física, matemática ou história, trabalhando-se com este ouaquele método ou projeto. O que interessa, primeiramente, sem o quenada mais tem sentido, é a relação que se estabelece entre os sujeitossócio-culturais docentes e discentes, onde seja, como seja, e não seusconteúdos e métodos. Pode haver ou não este ou aquele livro, um qua-dro de giz ou um data-show, o docente pode estar em uma universida-de ou numa escola infantil, em uma cidade, um bairro, um ou outropaís. Desde que haja esta relação, a docência se estabelece. O que maisimporta é que ali existam, que ali estejam, na relação, os sujeitos sócio-culturais que nela se constituem como docentes e discentes, numainteração intencionalmente mediada pelos processos de transmissão ede reinvenção da cultura e do conhecimento.
Vista esta característica, pertinente à natividade e à inser-
ção dos sujeitos na cultura e na história, o exercício da docênciaenvolve escolhas e projetos de homem e de sociedade, reafirmando suanatureza política. Ademais, tais processos são dinâmicas de cons-tituições identitárias, são processos de identificação. Tratam-sede movimentos de subjetivação que poderão ir em uma direçãoou outra, dependendo de seus conteúdos e formas. Na relaçãoque instaura a docência estão postas questões pertinentes às iden-tidades sociais, à possibilidade de se construírem experiências e
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subjetividades democráticas, como muito desejamos. Trata-se,assim, de uma relação com forte compromisso e envolvimentocom os destinos e enredos humanos, individuais e coletivos. E,por tudo isso, com a amorosidade, no sentido do gosto, do com-promisso, da afeição pelas questões dos homens e mulheres decada tempo, de cada lugar. Nesse sentido, a amorosidade e o po-lítico se encontram nos tempos, espaços e processos da docência,como Paulo Freire nos ensinou. Ou, ainda nos termos de Freire,há, nos processos de formação humana implicados no exercícioda docência, acabamentos e inacabamentos éticos e estéticos, da or-dem da boniteza, na expressão do autor.
Passando a outro dos atributos que singularizam a relação docen-
te/discente frente às demais relações sociais, tem-se a dimensão do cuidar. Do cuidado de si e do outro. Do zelo com os processos educativos, comos percursos e dinâmicas da formação humana, com as dinâmicas, con-teúdos e formas de construção do conhecimento e inserção na cultura,traçados em que a dimensão política se reitera na docência. O cuidadode si e do outro é político. O pessoal é político, como já foi dito.
Os fios e trançados da relação docente/discente contêm, portan-
to, uma forma particular de arranjo entre a ética e a estética, uma dasdimensões de que se constitui. Visto que nesta relação estão postas es-colhas, vidas e projetos de mundo, de homem, de sociedade e de his-tória, sendo ela um colocar-se com o outro nos terrenos da alteridade,a ética e a estética nela se põem, se repõem e compõem. O respeito àvida, ao outro, às suas possibilidades e limites, aos seus desejos e so-nhos, a tudo o que lhe diz respeito, deve ser levado em consideração. Nesta relação há histórias principiando, identidades e subjetividadesdesabrochando, caminhos sendo escolhidos, horizontes que se abremou se fecham, nas vidas infantes e juvenis que se inauguram, podendoser mais ou menos formosas, conforme sejam trabalhadas, lapidadas narelação pedagógica. A relação docente/discente poderá favorecer oudesfavorecer, impedir ou realizar experiências emancipatórias e humani-zadoras, ou o seu inverso nos (in)acabamentos éticos e estéticos nelaimplicados. Por ser assim, talvez se possa dizer que a docência é algoda ordem da delicadeza, tanto quanto é ela da ordem do humano, dopolítico e do cuidar. A docência diz respeito ao delicado envolvimento,ao delicado comprometimento, a uma delicada preocupação e zelo comos destinos e temporalidades humanos: uma delicadeza para com a vida
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humana, de todos e todas as mulheres e homens – para com o bemcomum. E uma delicadeza para com cada vida, presente em cada um ecada uma, individualmente.
Buscando discutir a condição docente para além de sua fundação,
observando-a em sua historicidade, nos conteúdos e formas em que vaisendo criada e recriada, é necessário considerar as realidades sócio-histó-ricas em que se insere. É preciso compreender seus enredos, (re)conhe-cendo-a em suas manifestações concretas, pois a relação que a constituivai tomando diversas figurações em sua realização, fazendo-se e desfazen-do-se em possibilidades diversas, conforme os contextos, elementos e su-jeitos que a constituem. De outra parte, tais figurações não são um fatoisolado, mas articulado a quadros macrossociais e históricos, que interfe-rem em seus contornos, limites e possibilidades. A relação docente/dis-cente se constitui em espaços e tempos macro e microssociais que a cir-cunscrevem, nos quais se destacam os ordenamentos e dinâmicas daescola.
A condição docente não é um dado fixo e acabado, assim como
não resulta somente das vontades. Ela vai ganhando conteúdo e formana complexa relação entre as estruturas e os agenciamentos humanosque compõem a vida social, tal como se vê nos territórios da escola. Nela interferem os sujeitos sócio-culturais implicados na relação, su-jeitos múltiplos e diversos, tanto quanto as condições materiais e sim-bólicas em que suas interações e trocas se realizam, assim como osparâmetros de sua institucionalidade.
Pensando a relação que instaura a docência e, por conseguinte, a
condição docente em sua realização nas sociedades modernas e contem-porâneas, é preciso considerar a escola. É ela, via de regra, o lócus fun-damental em que a condição docente se realiza. É ela, a sala de aula, oespaço no qual docentes e discentes interagem, convivendo durante amaior parte de seus tempos escolares.
Na modernidade, a escola é, primeiramente, um direito de ci-
dadania. Exercer a docência é, portanto, trabalhar com direitos sociaisdos cidadãos da polis, em sua versão moderna. É ela, também, umainstituição de socialização, estruturada sob a forma das organizações
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burocráticas. A relação que instaura a docência concretiza-se na escola,mediante os contornos destas organizações, da divisão social e sexualdo trabalho e das relações de assalariamento. Ainda que a instituiçãoescolar tenha suas especificidades frente a outras organizações burocrá-ticas modernas, seus pilares dão as bases de sua estrutura e funciona-mento, de sua arquitetura temporal e espacial, de suas hierarquias edos processos de trabalho, tanto quanto circunscrevem sua ritualística,os currículos, os processos e práticas didático-pedagógicos do cotidia-no da docência. Sendo assim, o docente torna-se um trabalhador assa-lariado e a criança, o adolescente e o jovem se transformam em alunos,com seus respectivos direitos e deveres, funções, papéis e atribuições,sob a égide da razão instrumental, na perspectiva da escola iluminista;nos dias atuais, cada vez mais regulados pelo paradigma do mercado,da produtividade, do quantitativo.
Enredada nos traçados da escola, a relação docente/discente ga-
nha figurações que articulam uma rede maior de interações, hoje tantoreais quanto virtuais, internas e externas à escola. Existe na escola umcoletivo de professores e de outros profissionais, além das crianças e jo-vens alunos. Por ser assim, a condição docente compreende um con-junto de interações, entre elas as dos pares de professores, ao lado dasinterações entre estes e outros profissionais da escola, bem como asexistentes entre os docentes e os chamados gestores escolares e dos sis-temas de ensino. Têm-se, ainda, direta ou indiretamente presentes natessitura das sociabilidades escolares e da docência, os relacionamentosentre os professores e as famílias dos estudantes; e, ainda, com a co-munidade de seu entorno. A condição docente em sua realização en-volve, portanto, uma complexa trama de interações e trocas, de enten-dimentos, de conflitos e tensões, em que não faltam problemas relativosàs hierarquias e estruturas, às dinâmicas e relações de poder e de forçae à diversidade de interesses.
Quanto à sala de aula, é o terreno de origem da relação docente/
discente, de um modo geral. Independente de seu conteúdo curricular emetodológico, ela concretiza esta relação, objetivando-a. Nesse sentido,embora os tempos da aula e de sala de aula se articulem e se desdobremsobre outros tempos da vida dos professores, pois suas preocupações eocupações os extrapolam, o tempo/espaço da aula é central, repercutin-do sobre os demais. Mas o que são elas, aula e sala de aula, ou de que seconstituem? Sem qualquer intenção de esgotá-las, vejamos algumas vigasde que são feitas. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 99, p. 426-443, maio/ago. 2007
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Da condição docente: primeiras aproximações teóricas
A aula e a sala de aula, terrenos da docência, constituem-se,
prioritariamente, na sociabilidade que se instala nestes tempos e espa-ços. A aula é sempre uma interação enredada em conteúdos, rituais, es-tratégias e práticas didático-pedagógicas que vão desenhando asinterações, possibilidades e efetividade do exercício da docência. As ati-vidades dos professores que nelas ocorrem, isto é, o trabalho docente, nãotêm sentido fora da relação docente/discente tecida nas aulas e salas deaula. Sendo ambas, aula e sala de aula, um micro espaço sócio-cultural,nelas estão, abertas ou veladas, permitidas ou proibidas, escondidas, con-forme a situação, a polissemia e a polifonia das vozes de seus sujeitos. Epor mais que os docentes queiram estar no centro, são elas um espaçopolicêntrico.
Além disso, enquanto na sala de aula o professor está geralmente
solitário, as crianças, adolescentes e jovens estão em seus grupos depertencimento, desejosos uns dos outros, em meio às dinâmicas einterações, aos entendimentos e desentendimentos próprios às situa-ções grupais. Nesse sentido, há nas aulas o risco e a incerteza. Sua di-nâmica e relações de poder, embora formalmente centradas no docen-te, podem apresentar surpresas, novidades, imprevisibilidades,transitando entre obediência e recusa, entre um e outro sujeito e agru-pamentos; deslizando-se e deslocando-se entre subserviência e trans-gressão; entre participação e ausência de interesse e envolvimento. Nelapodem ocorrer tensões e conflitos, tendo em vista a diversidade e pos-sibilidades de ações instituintes dos sujeitos estudantes, de seus gru-pos e subgrupos.
Na sala de aula e na aula, se cruzam, se interpelam, se interpre-
tam e interpenetram, se compõem e contrapõem diversos registros cultu-rais, valores, modos de ser e de viver. Múltiplos sujeitos com suas respec-tivas histórias individuais e coletivas nela estão, atribuindo variadossentidos e significados à educação, à escola, à aula, com os quais se rela-cionam movidos por diferentes motivações, quando não desmotivados. Movidos por variados sentimentos. Aula é acontecimento que combinasatisfações e insatisfações, facilidades e dificuldades, bem-estar e mal-es-tar, bem-querer e mal-querer. Indiferenças, nela dificilmente haverá.
Co-habitam os tempos e territórios da aula e da sala de aula sujei-
tos e grupos com clivagens e posicionamentos sociais diversos, que se di-ferenciam em suas origens de classe, em seus atributos étnico-raciais e
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de gerações, em suas faixas etárias, os quais dialogam e se entendemtanto quanto se confrontam na sala de aula, fazendo da aula sempreum risco; dela fazendo harmonia e dissonância. Uma variada gama defatores e aspectos institucionais, físico-materiais e simbólicos, formaise informais, individuais e coletivos nelas se ajustam e desajustam. Esteelenco de fatores e aspectos faz de uma aula uma possibilidade maisdo que uma garantia, uma hipótese mais do que uma certeza. Umaedificação, mais do que uma obra acabada.
Há que considerar, ainda, tendo em vista sua relevância, o fato de
que a sala de aula e a aula trazem à cena, assim como toda a escola, oque está do lado de fora; o que, mesmo não lhe pertencendo, irá cons-truí-la. Estando no mundo, de que são parte, ambas, escola e aula, delerecebem o que nele se passa: do mais saudável ao menos desejável. Aquestão social nelas está colocada e recolocada a cada dia, direta e indire-tamente, nas histórias individuais e coletivas de docentes e discentes.
Neste particular, destacam-se os problemas oriundos das desi-
gualdades sociais que se refletem nas desigualdades escolares e no de-sempenho escolar das crianças, adolescentes, jovens e adultos. Desta-cam-se, também, pelas suas repercussões na escola, a questão doconsumismo e da violência, em todas as suas formas, ao lado de outrosproblemas oriundos dos novos ordenamentos da vida social e dos pro-cessos produtivos, entre eles as novas configurações da família. Tem-se,ainda, a questão da perda do sentido, da experiência e da narrativa nasociabilidade contemporânea. Ressalta-se, ademais, o aspecto do tem-po e suas rítmicas, vinculadas à produtividade e à rapidez, cada vezmais submetidas às exigências da acumulação do capital e do mercado,ao que se somam a problemática da banalização, da mercantilização eda espetacularização da vida, do mundo, do corpo, do sujeito.2
Estes parâmetros, características e questões, entre outros, consti-
tuem o paradigma hegemônico nas sociedades contemporâneas e se des-dobram no individualismo, na competitividade, no consumismo e nohedonismo, conformando modos de ser, de pensar, de sentir e de estarno mundo, conformando subjetividades. E se, de um lado, vão sendotomados como modelos e projetos de vida, não raro têm resultado emadoecimento e patologização dos comportamentos que dão origem e sus-tentam a medicalização da vida cotidiana, entre outras de suas manifes-tações nos mais diferentes segmentos sociais. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 99, p. 426-443, maio/ago. 2007
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Da condição docente: primeiras aproximações teóricas
Tudo isso pode ser visto na sala de aula e na escola. Este elenco de
questões, desafios e dilemas lhes é familiar. Chegam à porta, por onde en-tram sem pedir licença, exigindo que escola e docentes os compreendam etrabalhem no sentido de que não prejudiquem os processos educativo-pedagógicos. Tudo isso pode ser visto no dia a dia da docência, evidenci-ando que a escola, a sala de aula e os professores, ou melhor, a condiçãodocente em sua realização deve ser compreendida a partir dos contextossócio-históricos que a circunscrevem. Tudo isso está a indicar que os li-mites físicos, sociais e simbólicos da escola e da docência se estendempara muito além do aprender e ensinar conteúdos disciplinares.
Em outras palavras, nos contornos da modernidade em sua versão
contemporânea, quando a razão instrumental se radicaliza, recriando asestratégias e processos da lógica da acumulação capitalista e do mercado,desde o plano internacional às novas subjetividades, sempre movida porcontradições e crises, a escola e seus sujeitos se deparam com novos egraves problemas. Independentemente das diferentes teorizações e ex-pressões que a denominam – sociedade globalizada; sociedade do espe-táculo; sociedade em rede; sociedade pós-industrial; sociedade da infor-mação; modernidade líquida; pós-modernidade, entre outras –, acontemporaneidade trouxe e continua trazendo novos fatos e questõesque interpelam a escola e os professores, colocando-os sob fogo cruzado. Entre outras razões, porque os novos perfis sociais, registros culturais,historias e trajetórias escolares individuais e familiares e os comportamen-tos das crianças, adolescentes e jovens que chegam à escola não os agra-dam. Em geral, estão fora das expectativas, dos desejos e modelos consti-tuídos pelos docentes por várias razões. Sendo assim, grande parte dosdocentes se vê obrigada a trabalhar e a se relacionar com tipos humanose sociais que não escolheu, com os quais não se identifica, não tem sim-patia e empatia. Este fato, ao lado de suas precárias condições materiaise objetivas de trabalho, entre outros problemas a serem enfrentados, temlevado a condição docente a realizar-se, ou melhor, a manifestar-se comouma condição doente, na experiência de centenas de professores.
De preocupações e responsabilidades: palavras de fontes?
Completando estas primeiras aproximações teóricas à condição
docente, temos ainda uma preocupação e responsabilidades a indicar. No quadro geral exposto acima, há algumas questões e problemas a se
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considerar. Vê-se, na atualidade, ao lado da perda e esgarçamento deimagens e valorações positivas acerca do magistério, preocupantes ques-tões concernentes às relações entre docentes e discentes. Nelas estãopresentes vários tipos de dificuldades, parte delas associadas às imagens,representações e expectativas que inúmeros professores possuem sobreos adolescentes e jovens alunos. São freqüentes e notórios no cotidianodocente, tal como nas salas dos professores e nas conversas e falas entrecolegas, as queixas e os estereótipos negativos sobre os alunos e alunas,a exemplo das reclamações quanto ao seu desinteresse e indisciplina,expressões de que os mestres se utilizam ao se referirem aos adolescen-tes e jovens com quem trabalham.
Além disso, nos dias atuais, os professores dividem com outras ins-
tituições e veículos de socialização, tais como a mídia e a internet, suaimportância social e influências sobre os educandos. Esta nova realidade,além de outros fatores, trouxe para muitos deles, docentes, um questio-namento quanto a seu lugar e sua importância, interrogações quanto aseus papéis e seu valor, desconfortos vindos não somente de fora, mas dospróprios docentes. Como pesquisas e observações têm revelado, muitosprofessores se sentem ameaçados, sem autoridade e desvalorizados comodocentes, o que pode ser um dos fatores de seu mal-estar.
Paralelamente, tal como suas reclamações e verbalizações revelam,
centenas de docentes sentem inúmeras dificuldades diante de certas ca-racterísticas e condutas das crianças, adolescentes e jovens com quem tra-balham, dificuldades que se expressam, em alguns casos, até mesmo soba forma de medo. Neste contexto, observa-se que muitos deles, professo-res, costumam se referir a seus alunos a partir de representações e ima-gens negativas, atribuindo-lhes qualificativos que os classificam como“sem limites”,“sem respeito”, “sem compromisso com os estudos”. Fa-lam, também, que os alunos “não têm base”; “que pouco ou nada sabemdo que já deveriam saber”. Além disso, muitosse referem a eles como“indisciplinados”, “violentos”, “desinteressados”, entre outros qualificati-vos negativos com que indicam seus comportamentos e traços identitá-rios, classificando-os, muitas vezes, por meio de estereótipos.
Como Arroyo (2004) salienta, estamos diante de “imagens que-
bradas”. Os professores têm dificuldades de compreender e de conviver– de se relacionarem – com certos tipos de meninos e meninas alunos. Como também têm dificuldades quanto às suas auto-identificações eimagens próprias, limitações que trazem consigo quando da relação
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docente/discente no exercício da docência. Sendo esta relação a condi-ção de fundação e de realização da docência, ou seja, se existem difi-culdades advindas das representações e imagens que inspiram as con-dutas docentes em suas relações com os discentes, temos um graveproblema. Dito de outra forma, se o problema está na relação dos pro-fessores com os meninos e meninas alunos, temos um grande desafio. Talvez maior não pudesse ser, pelo fato da dificuldade estar instaladana relação, no ponto de origem da docência. Está colocado um proble-ma no coração da docência, pois as representações e imagens dos do-centes sobre os discentes dão significado e sentido às condutas peda-gógicas, dão significado e perspectivas às suas relações com seus alunos. Elas modelam, influenciam, imprimem conteúdos e formas às condu-tas dos professores no jogo das relações docentes/discentes. Tais imagense representações dão sentidos, significados e atribuem sentimentos àexperiência e à condição docente. Quando a dificuldade do professor estáno aluno e em suas relações com ele, estamos diante de um problemafundante, de um desafio imensurável. Estamos diante de uma questãomaior que outras que os docentes possam viver e sentir, pois se trata deuma dificuldade relativa à própria origem da docência, problema frenteao qual os demais podem tornar-se menores.
Em outras palavras, o conjunto de traços característicos das socie-
dades contemporâneas, associado a esta dificuldade que incide direta-mente sobre a relação docente/discente, nos faz supor que temos umproblema instalado no coração da docência, no centro da condição do-cente em sua realização nos dias atuais. Um problema que se desdobranos sentidos, nos sentimentos e significados que os professores atribuema seus alunos e suas relações com eles e ao exercício da docência. Trata-sede um problema que se agrava, ao lado de outros já conhecidos, tal comoa precariedade das condições de trabalho e das bases materiais e institu-cionais necessárias ao exercício da docência.
Esta problemática, constitutiva da condição docente em suas for-
mas de realização nas sociedades contemporâneas, talvez possa auxiliar-nos na compreensão do que as pesquisas têm denominado como mal-estar docente e como crise da docência. Ou, ainda, como nostalgia, comosíndrome da desistência, como desmotivação e cansaço demonstrados pe-los professores em vários países. Talvez possa explicar, também, os índi-ces crescentes de adoecimento de professores, assim como o absenteísmono trabalho. Ou, ainda, o seu afastamento da docência e da escola e o
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desejo de abandoná-los, dedicando-se a outra profissão, ao lado da me-lancolia que também aparece. Não faltam, ainda, os sentimentos de cul-pa, de desesperança, de incerteza, de desmotivação e de impotência fren-te aos desafios que os professores têm que enfrentar; conhecidossentimentos vividos pelos docentes, que podem estar associados a estadificuldade que se instalou na relação: a ausência de aceitação, de gosto,de respeito e confiança, de empatia, de crença nas capacidades doseducandos. A ausência de afeto para com os alunos.
Diante deste quadro, quais seriam nossas tarefas mais imediatas,
como professores universitários e pesquisadores da educação? Quais asobrigações dos que trabalham com a formação de educadores, diante dosproblemas que estamos identificando na fundação e realização dadocência nos dias atuais? Tais problemas estão a nos interpelar, o quedeve nos preocupar, colocando-nos responsabilidades e deveres? Em ou-tras palavras, vazios e desnecessários serão nossas pesquisas, estudos e re-flexões, nossos congressos, eventos e encontros acadêmico-científicos, nos-sa produção e publicações, se elas não se traduzirem em contribuições eformas de pressão efetivas frente aos organismos de políticas públicas esociais para a educação e setores correlatos. Se não se traduzirem em umdiálogo e articulação cotidianos com os nossos colegas professores e pro-fessoras da educação infantil, do ensino fundamental e médio no interi-or da escola, buscando contribuir para o equacionamento e resoluçãodestes seus problemas e desafios, procurando diminuir os sofrimentosdocentes, com resultados sobre os discentes, certamente, tudo terá sidoem vão. Se não contribuírem para a realização plena do direito à educa-ção de qualidade social que nossos povos conquistaram, nossas pesquisasterão sido inócuas e desnecessárias. Como poderemos colaborar para quea condição docente se realize com responsabilidade, dignidade e alegria,realizando projetos e trabalhos em educação que colaborem, efetivamen-te, na construção de uma outra sociedade, de um outro mundo, possí-vel? Terão sido desperdiçados os recursos públicos utilizados em investi-mentos educacionais e de pesquisa, se eles não se traduzirem em açõesconcretas junto dos professores e das escolas, para que se possa viver adocência como uma rica, grata e qualificada experiência marcada peladignidade, responsabilidade e alegria.
Finalizando, esperamos ter nos aproximado do que desejávamos:
observar a docência como pela primeira vez, em busca da matéria pri-ma de que é feita. Procurando sua condição de fundação e realização. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 99, p. 426-443, maio/ago. 2007
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Da condição docente: primeiras aproximações teóricas
Tocando em sua textura para ler seu texto com palavras desacostuma-das.3 Gostaríamos que aqui estivessem não palavras de tanques – estan-ques e estagnadas. Quiçá aqui estejam palavras de fontes. Recebido em maio de 2007 e aprovado em junho de 2007.
Deve-se acrescentar a estas considerações que, na linguagem corrente, se usa o termo con-dição com sentidos relativos à “condição social”, dentre outros. E, em linguagem mais téc-nica, se emprega o termo com sentidos lógico e epistemológico, conforme Ferrater Mora(1994).
Neste particular, as metas de produção, os relógios, cronômetros, agendas e celulares nãopodem faltar, acelerando os ritmos e expandido redes de comunicação. As cadências tor-nam-se sensivelmente intensificadas pelos ritmos da internet, com suas respectivas conse-qüências sobre e a ampliação das jornadas e intensificação dos ritmos do trabalho, entreeles os tempos das atividades docentes dentro e fora da escola.
Estas expressões de Manoel de Barros estão no seguinte trecho de “Aula”, prosa poética naqual o poeta escreve: “Eu queria só descobrir e não descrever. O imprevisto fosse mais atra-ente do que o dejá visto. O desespero fosse mais atraente do que a esperança. Epa! O pro-fessor desalterou de novo – outro colega nosso denunciou. Porque o desespero é sempre oque não se espera. Verbi gratia: um tropicão na pedra ou uma sintaxe insólita. O que eunão gosto é de uma palavra de tanque. Porque as palavras do tanque são estagnadas, estan-ques, acostumadas. E podem até pegar mofo. Quisera um idioma de larvas incendiadas. Palavras que fossem de fontes e não de tanques. E um pouco exaltado o nosso professordisse: Falo de poesia, meus queridos alunos. Poesia é o mel das palavras! Eu sou um en-xame! Epa!. Nisso entra o diretor do Colégio que assistira à aula de fora. Falou: ‘Seo En-xame espere-me no meu gabinete. O senhor está ensinando bobagens aos nossos alunos’. O nos-so mestre foi saindo da sala, meio rindo a chorar” (Barros, 2006, p. X).
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