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ARTIGO ARTICLE
Diagnóstico das práticas de alimentação complementar
para o matriciamento das ações na Atenção Básica

Diagnosis of complementary feeding practicesfor creating a matrix model for action in primary health care Laís Amaral Mais 1Semíramis Martins Álvares Domene 2Marina Borelli Barbosa 1José Augusto de Aguiar Carrazedo Taddei 1 Abstract Timely and appropriate complementa-
Resumo A alimentação complementar adequada
ry feeding is essential for the healthy growth and e oportuna é essencial para o crescimento e o de- development of children, and Primary Health senvolvimento saudáveis da criança, sendo a Aten- Care, especially the Family Health Support Nu- ção Primária à Saúde, em especial os Núcleos de clei, are the ideal location for developing relevant Apoio à Saúde da Família, o lócus ideal para o actions during this period. A cross-sectional study desenvolvimento de ações pertinentes a esta práti- that applied a questionnaire to mothers and an- ca. Estudo transversal com aplicação de questio- thropometric evaluation for 324 children sought nário para mães e avaliação antropométrica de to develop an index of complementary feeding in- 324 crianças visou desenvolver um escore de ina- adequacies and to study its association with so- dequações na alimentação complementar e estu- cial, economic, clinical, epidemiological and nu- dar suas relações com variáveis socioeconômicas, tritional variables. For quantification of feeding clínico-epidemiológicas e nutricionais. Para quan- inadequacies, an index using the Delphi method tificação das inadequações alimentares foi criado was created. High frequencies were observed for um escore por meio do Método Delphi. Foram ob- all inadequacies, especially for late introduction of servadas altas frequências para todas as inadequa- solids (80.2%), early introduction of sugar/thick- ções, especialmente na introdução tardia de sóli- eners (78.1%) and liquids (73.5%). The most sig- dos (80,2%), precoce de açúcares/engrossantes nificant results of these associations were early (78,1%) e precoce de líquidos (73,5%). Entre as weaning of exclusive (p = 0.000) and total (p = variáveis mais significantemente associadas com 0.005) breastfeeding, absence of partner (p = 0.001) o escore estão desmame precoce do aleitamento and the mother supporting the family financially materno exclusivo (p = 0,000) e total (p = 0,005), (p = 0.025). The use of this index identifies high- ausência de companheiro (p = 0,001) e a mãe ser er-risk situations for developing a nutritional as- chefe da família (p = 0,025). A utilização do escore Pediatria, UniversidadeFederal de São Paulo. R.
sistance action plan, especially when it comes to identifica situações de maior risco para subsidiar as ações prioritárias da assistência nutricional, es- Key words Complementary feeding, Infant nu-
pecialmente para promover o trabalho matricial. Paulo SP Brasil.
[email protected] trition, Nutritionist; Primary Health Care Palavras-chave Alimentação complementar,
Nutrição do lactente, Nutricionista, Atenção Pri- Instituto Saúde e Sociedade,Universidade Federal de SãoPaulo.
Introdução
SF incluem-se a promoção de práticas alimenta-res saudáveis; a construção de estratégias volta- A partir do sexto mês de vida da criança, a quan- das aos distúrbios alimentares, o desenvolvimen- tidade e a composição do leite materno não são to de projetos terapêuticos, especialmente para suficientes para atender as necessidades nutricio- doenças e agravos não transmissíveis; a realiza- nais da criança, e tem início o período da alimen- ção do diagnóstico alimentar e nutricional da tação complementar (AC). Nesta fase, os novos população, com o reconhecimento do território alimentos devem ser introduzidos de forma len- e a identificação de grupos de risco, e demais ações ta e gradual, com consistência espessa e proveni- para a promoção da Segurança Alimentar e Nu- ente de todos os grupos alimentares, evitando-se tricional (SAN) e do Direito Humano à Alimen- Nos últimos anos, as ações de aleitamento A compreensão da realidade por meio do re- materno (AM) sofreram grandes avanços, po- conhecimento do território e dos indicadores rém o mesmo não ocorreu em relação à AC, ha- epidemiológicos e nutricionais permite conhecer bitualmente iniciada precocemente e de forma o contexto social e promover a corresponsabili- inadequada, com predominância de alimentos zação e o protagonismo dos sujeitos. A aborda- lácteos, preparados à base de leite de vaca inte- gem multiprofissional favorece o estabelecimen- gral, acrescidos de farináceos e açúcar1,4-7.
to de associações entre as características cultu- Um dos motivos para este cenário é a dificul- rais e sociodemográficas da família, seu padrão dade encontrada pelos profissionais de saúde fren- de vida e práticas alimentares inadequadas, como te à escassez de consensos e o contingenciamento a introdução em tempo inoportuno da AC8,21.
de recursos destinados à formação continuada A utilização de um escore construído a partir dos profissionais da rede e estruturação da Aten- de variáveis socioeconômicas, clínico-epidemio- ção Básica (AB)8,9. Nesta direção, o governo fe- lógicas e nutricionais possibilita resumir em uma deral publicou diversos documentos com estra- escala componentes complexos de um processo tégias voltadas à AC como a “ENPACS – Estraté- de determinação e tem como vantagens incor- gia Nacional para Alimentação Complementar” porar o conhecimento acumulado na literatura (2010) e o programa “Amamenta e Alimenta Bra- na exploração do processo em questão ao atri- sil”, que reforça e incentiva a promoção do AM e buir valor específico para cada indivíduo da po- da AC saudável no âmbito do Sistema Único de pulação estudada, gerando informação de fácil No início dos anos 90 é lançada a Estratégia O objetivo deste trabalho foi desenvolver um Saúde da Família (ESF), que tem como base a escore de inadequações na AC (EIAC) e estudar atenção em seu território, a partir de ações de sua associação com variáveis socioeconômicas, promoção, proteção e recuperação da saúde de- clínico-epidemiológicas e nutricionais. Esta aná- senvolvidas por uma equipe multidisciplinar, com lise visa propor ações e estratégias para a abor- ênfase na autonomia dos sujeitos, no planeja- dagem nutricional adequada da criança durante mento local participativo e na parceria com os o primeiro ano de vida no âmbito da AP.
demais setores12,13. Como suporte técnico-peda-gógico e retaguarda assistencial, é proposto oapoio matricial às Equipes de Saúde da Família Métodos
(SF) a fim de ampliar seu campo de atuação equalificar as ações em saúde, integrando distin- Trata-se de um estudo transversal de aborda- gem quali-quantitativa que se deu a partir do Para estruturar o apoio matricial, em 2008 contato com a equipe da Unidade de Saúde da foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família Perseu Leite de Barros (USF-PLB), loca- Família (NASF), “com o objetivo de ampliar a lizada no distrito Noroeste do município de Cam- abrangência e a resolutividade das ações da Aten- pinas, SP, e da formalização da parceria com a ção Primária (AP), apoiando a inserção da ESF Secretaria Municipal de Saúde. As informações na rede de serviços e o processo de territorializa- provenientes de um questionário realizado com ção e regionalização a partir da AP”. O nutricio- famílias com crianças menores de 6 anos foram nista é um dos profissionais que podem compor Foi realizado o reconhecimento da área de Entre as ações de alimentação e nutrição a abrangência da USF, nos anos de 2009 e 2010. Os serem desenvolvidas nos NASF pelas Equipes de dados do Censo de 2008 (IBGE) foram empre- Ciência & Saúde Coletiva, 19(1):93-104, 2014 gados para a realização da amostragem, que ocor- perda amostral de 4,4%. Quando existia mais reu de acordo com a distribuição da população que uma criança menor de seis anos no domicí- nos domicílios da área de cobertura da USF refe- lio que compunha a amostra, a análise foi restri- rentes a 19 setores censitários. Foi sorteado em ta à última criança nascida de cada família para cada setor o número de residências proporcio- diminuir o viés recordatório e evitar a dupla re- nal à sua representatividade na área de estudo, seguida da seleção dos domicílios por critério de Foi criado um banco de dados no pacote es- tatístico SPSS 18.028, com dupla digitação e vali- Os critérios de inclusão das unidades amos- dação dos dados e, para a quantificação das ina- trais para o estudo foram famílias com crianças dequações alimentares de cada criança foi criado de zero a seis anos, não portadoras de doenças o Escore de Inadequações na Alimentação Com- crônicas e residentes na área de cobertura da USF.
plementar (EIAC) com pontuação de zero a dez Para a realização da coleta de dados, três nu- a partir de sete componentes de análise, confor- tricionistas foram treinadas quanto à abordagem para aplicação do questionário junto às mães e às O EIAC foi desenvolvido a partir dos resulta- técnicas antropométricas para avaliação da con- dos de painéis de especialistas estruturados em dição nutricional das crianças. Utilizou-se estadi- consonância com o Método Delphi, que se fun- ômetro horizontal para crianças menores de 2 damenta em pesquisas estruturais e utiliza de anos, estadiômetro vertical para aquelas entre 2 a forma quantitativa as melhores estimativas pon- 6 anos e para ambas a balança digital, procedi- derais dos participantes, os quais devem ser es- mentos realizados de acordo com as orientações pecialistas no tema em questão29. Para o desen- da OMS25. As mensurações antropométricas fo- volvimento do EIAC se considerou a importân- ram classificadas segundo as curvas de crescimen- cia de cada componente de inadequação na ali- to da OMS de 2005, utilizando-se os programas mentação da criança; assim quanto mais graves WHO Anthro26 e WHO AnthroPlus27. As entre- as consequências para a saúde da criança, maior vistas com os responsáveis das crianças residen- a pontuação do componente. No caso da ocor- tes nos domicílios selecionados e obedecendo a rência de desvio de um ou mais itens de uma proporcionalidade amostral foram realizadas em mesma inadequação, a pontuação não muda; três situações: na própria USF, enquanto os paci- foram consultados 10 especialistas, doutores na entes aguardavam na sala de espera pelas consul- tas; na creche local ou durante as visitas domicili- Para o estudo da associação entre o EIAC e as ares, com o acompanhamento dos Agentes Co- variáveis de interesse foi utilizado o modelo biva- riado, definido a partir dos valores de p < 0,1 nos O questionário estruturado e pré-codificado testes do qui-quadrado, justificados pela nature- utilizado continha questões sobre condições so- za do estudo qualiquantitativo. O ponto de corte ciodemográficas (condição empregatícia e esco- utilizado para o EIAC foi < P25 para menos ina- laridade materna, presença de companheiro, chefe dequações e > P25 para mais inadequações.
da família, faixa de renda, tipo de moradia, apoio O estudo integrou o projeto ‘Desenvolvimento de programa do governo), de gestação (nº de de modelo matricial para a inserção de ações de consultas pré-natal, tabagismo, tipo de parto, nutrição e dietética para o combate aos princi- intervalo interpartal), de nascimento da criança pais distúrbios nutricionais no Programa de Saú- (prematuridade, peso ao nascer, nº de irmãos), de da Família – PSF-Nutri’, financiado pela Fun- sobre AM (tempo de aleitamento materno total dação de Amparo à Pesquisa do Estado de São (AMT) e exclusivo (AME), idade de introdução da chupeta), introdução de alimentos (local equem orientou a introdução da AC, idades deintrodução dos alimentos) e avaliação antropo- Resultados
métrica [estatura/idade (E/I) e índice de massacorporal/idade (IMC/I)].
A Tabela 2 contém os dados do estudo da associ- Foram entrevistadas 339 famílias, com 15 ação entre as variáveis socioeconômicas, clínico- perdas por: dados incompletos do questionário; epidemiológicas e nutricionais e o EIAC. Segundo criança portadora de deficiência; criança adota- a análise descritiva, grande parte das mães apre- da; famílias não residentes da área de cobertura sentou baixa escolaridade (38,3%) e, a maioria da USF. Assim, a população de estudo foi com- delas, baixa renda familiar (71,1%), sendo que posta por 324 crianças entre zero e seis anos com 76,5% estão empregadas. Apenas 22,5% das mães Tabela 1. Distribuição da ocorrência das inadequações alimentares que compõem o Escore de Inadequações
na Alimentação Complementar (EIAC). Centro de Saúde Perseu Leite de Barros (CS-PLB), Campinas, SP,
2009-2010.
Inadequações
% de ocorrência da
Valor para
alimentares
inadequação na amostra
Composição
ponderação
Papa salgadaCarne vermelhaFrangoFígadoPeixeCerealLeguminosa Papa salgadaCarne vermelhaFrangoFígadoPeixeCerealLeguminosa gorduras (exceto óleo)
Utilização de condimentos
industrializados
Total
vivem sem companheiro, mas 19,5% do total são de prematuridade e de baixo peso ao nascer, as principais provedoras da casa, caracterizando- 10,5% e 10,2%, respectivamente. Quanto à an- se como chefes da família. A minoria da popula- tropometria, desvios tanto de E/I quanto de ção não possui casa própria (36,7%), bem como IMC/I foram observados em 7,1% e 20,7% das recebe apoio de programa do governo (28,1%).
Em relação às características de gestação e O local onde a maioria das crianças iniciou a nascimento da criança, 69,9% das mães realiza- AC foi na própria casa (95,6%) e normalmente ram 8 ou mais consultas pré-natal, porém mais com orientação do pediatra (57,9%). Alta fre- da metade dos partos foram cesáreas (54,6%), quência foi observada na introdução precoce da provavelmente o que justifica os índices elevados Ciência & Saúde Coletiva, 19(1):93-104, 2014 Tabela 2. Distribuição das variáveis socioeconômicas, clínico-epidemiológicas e nutricionais segundo categorias do Escore de
Inadequações Alimentares (EIAC). Centro de Saúde Perseu Leite de Barros (CS-PLB), Campinas, SP, 2009-2010.
Odds Ratios
Variáveis
(% categoria
inadequações
inadequações
de risco)
5,30 (1,85-15,14)
2,89 (1,10-7,60)
1,61 (0,93-2,83)
1,95 (0,95-3,99)
Observou-se que as inadequações em rela- tuno ou que somente o leite materno não era ção à introdução precoce de alimentos ocorrem suficiente; 32,4% dos pais introduziram os no- na maioria dos casos. A maioria das crianças vos alimentos por orientação do pediatra. Já a (36,8%) recebeu a AC por crenças da mãe e de volta ao trabalho da mãe e/ou a entrada da criança parentes, por entenderem que o tempo era opor- na creche foram responsáveis pela introdução da Tabela 2. continuação
Odds Ratios
Variáveis
(% categoria
inadequações
inadequações
de risco)
3,08 (1,37-6,93)
4,51 (2,45-8,28)
Local de início da introdução de alimentos Quem orientou a introdução dos alimentos AC em 12,5% dos casos, percentual similar às relevantes para o planejamento de ações que visam questões relacionadas à criança e suas necessida- o matriciamento em nutrição infantil no âmbito des, como a própria vontade do bebê, cólica, sede da ESF, principal orientação metodológica adota- e como forma de acalmar a criança (10,1%).
da na política nacional de saúde voltada à AB e ao Outros motivos levaram a 8,1% da introdução fortalecimento da rede de assistência; adota o pro- cesso de avaliação de situações de determinação O estudo analítico para verificação da associ- complexa a partir da adoção de escore produzido ação entre as variáveis indica que a ausência de por meio de painéis de especialistas como estraté- companheiro (OR = 5,30 e IC = 1,85-15,14), a gia inovadora para instrumentalizar o trabalho mãe ser chefe da família (OR = 2,89 e IC = 1,10- matricial dos 1038 nutricionistas presentes nos 1388 7,60) e possuir moradia própria (p = 0,088, OR NASF implantados até julho de 201130.
= 1,61e IC = 0,93-2,83) estão relacionados a mai- Os resultados apresentados neste estudo po- ores pontuações no EIAC. Ter realizado 8 con- dem ser adotados em unidades e agrupamentos sultas pré-natal ou menos também se revelou populacionais similares, sobretudo para ações de uma variável de risco quando associada ao EIAC monitoramento. Não se constituem, no entanto, (p = 0,066, OR = 1,95 e IC = 0,95-3,99).
em informações referentes a processos biológi- Também houve associação entre o EIAC e o cos e fisiopatológicos, mas ligados à organização menor tempo AMT (OR = 3,08 e IC = 1,37-6,93) social e política das comunidades, podendo, por- e AME (OR = 4,51 e IC = 2,45-8,28), por se tratar tanto, variar em diferentes cenários. Isso justifica de variáveis espelhares da introdução da AC.
a proposta de replicação do método para orien-tação das ações de nutrição infantil visando àgeração de informações que poderão contem- Discussão
plar a ampla gama de situações encontradas naESF na forma de novos componentes de análise.
O presente estudo é de caráter operacional e des- No modelo de política de saúde adotado no creve um método para a sistematização de dados Brasil, a Atenção Primária à Saúde (APS) tem os Ciência & Saúde Coletiva, 19(1):93-104, 2014 NASF como apoio da ESF, organizados a partir Em relação ao oferecimento precoce de sóli- de ferramentas conceituais como o apoio matri- dos em 48,1% dos casos, houve concordância cial que orienta os processos de trabalho21. A pro- com os achados de estudos nacionais e interna- posta de ações deriva do reconhecimento do ter- cionais31,35,41. Dentre as desvantagens da intro- ritório, que levou ao diagnóstico das práticas de dução precoce de sólidos estão a diminuição da AC na população estudada. Para isso, foram uti- duração do AM e a interferência na absorção de lizadas as frequências dos desvios alimentares, nutrientes importantes existentes no leite huma- os motivos que levaram as mães a introduzir no, como ferro e zinco42. Segundo estudo quali- precocemente os alimentos e o EIAC associado a tativo realizado em cinco macrorregiões brasilei- variáveis socioeconômicas, clínico-epidemiológi- ras, a percepção da fome é a lógica que leva as cas e nutricionais das mães e de seus filhos.
Os resultados disponíveis a partir do reco- A introdução tardia da AC também se cons- nhecimento do território vão ao encontro dos titui em importante erro alimentar pelo possível dados apresentados na literatura para subsidiar comprometimento de crescimento e desenvolvi- as propostas de orientação e operacionalização mento da criança, o que pode levar ao aumento na alimentação infantil no âmbito do NASF. Um do risco de desnutrição e deficiência de micronu- exemplo são as frequências de inadequações ali- trientes10,44. No presente estudo, 19,8% e 80,2% mentares apresentadas na Tabela 1. Destaca-se das crianças tiveram o primeiro contato com lí- que 73,5% das crianças receberam precocemente quidos e sólidos tardiamente, de forma seme- algum tipo de líquido (água, chá, suco de fru- lhante ao constatado por estudos realizados em tas), 39,8% receberam leite de vaca e 78,1% rece- São Paulo, SP e Florianópolis, SC7,33,35.
beram açúcar e/ou engrossante antes dos 12 me- Outro aspecto observado na composição do ses. Tais resultados são concordantes com aque- EIAC foi a inadequação no preparo de papas (uso les encontrados em estudos transversais com de condimentos industrializados e qualquer ou- aplicação de questionário realizados em cidades tra fonte de gordura que não seja o óleo vegetal), de grandes centros urbanos brasileiros31-33.
relatada por 57,1% dos responsáveis. Estudo ar- Acredita-se que o motivo para a introdução gentino registrou que 76,09% dos responsáveis precoce de água e suco de frutas se dá pela crença entrevistados adicionaram óleo vegetal à primei- das mães de que a criança sente sede e pode desi- ra papa salgada da criança, enquanto que 25,42% dratar-se, principalmente em períodos de calor; adicionaram manteiga45. De acordo com orien- quanto ao chá, atribui-se a este alimento propri- tações do Ministério da Saúde (MS)46, é contra- edades calmantes e de melhora de episódios de indicada a adição de condimentos prontos no cólica, o que não encontra apoio nos estudos a preparo da papa salgada para evitar os riscos de excesso de sódio. Além disso, a fonte de gordura Já a introdução precoce de leite de vaca inte- indicada é o óleo vegetal para fornecer ácidos gral ocorre habitualmente por ser uma caracte- graxos essenciais, além de promover melhor con- rística cultural, já que é visto como um dos ali- sistência e sabor aos alimentos2,47.
mentos mais importantes para a saúde da crian- Os resultados apresentados na Tabela 2 mos- ça37. Sua introdução antes dos 12 meses é contra- tram que as mães que vivem sem companheiro indicada por ser responsável por 20% das alergi- apresentam alto risco para cometer inadequações as alimentares, podendo desencadear diabetes na AC, o que já foi observado na Austrália, onde melito tipo 1, doenças atópicas como a asma, 53,8% das mães sem companheiros introduziram micro-hemorragias intestinais, e sobrecarga do a AC precocemente (antes das 17 semanas). Em sistema imune e renal, bem como o desmame Campinas, SP, encontrou-se risco seis vezes mai- or de mães sem companheiro amamentarem ex- No Brasil esse desvio alimentar ocorre com a clusivamente por menos tempo seus filhos. No introdução combinada de açúcares e engrossan- mesmo município, a mediana de AME foi de 90 tes, alimentos que além de serem isentos de mi- dias para as mães com companheiro, enquanto cronutrientes, aumentam a densidade energética para as demais foi de apenas 60 dias, o que é espe- e tem em sua composição a sacarose, considera- lhar para a introdução precoce de alimentos com- da o dissacarídeo mais cariogênico. Tais alimen- plementares, mais frequente entre mães que não tos são precocemente introduzidos na alimenta- contam com o suporte do parceiro5,32,48.
ção infantil pela tendência materna de oferecer Em relação à associação encontrada entre o alimentos doces, o que “satisfará o paladar da EIAC e a mãe ser chefe da família, não se encon- criança” e “a manterá bem alimentada”1,39,40.
trou estudo que utilize tal variável para explicar o grau de inadequações na introdução da AC. A ta de monitoramento por meio da identificação mãe ser chefe da família relaciona-se com a au- de práticas alimentares inadequadas e de grupos sência de companheiro, o que leva a mulher a vulneráveis, a partir da criação de programas de trabalhar fora de casa em busca de meios para educação nutricional mais efetivos e da verifica- sustentar sua família, sendo esta, muitas vezes, a ção do impacto dos programas já existentes24.
Nos NASF, o EIAC funcionaria como um indica- A industrialização e a inserção da mulher no dor para identificar as situações de maior risco mercado de trabalho levam a alterações nos há- para uma AC inadequada. Tais informações po- bitos alimentares familiares e impactam direta- deriam ser coletadas por profissionais das Equi- mente na alimentação infantil32,50. Este cenário é pes de SF, como os ACS, que estão presentes na característico da família contemporânea33. A res- USF em tempo integral. Após a coleta, os dados ponsabilidade pela renda familiar também inter- podem ser adotados pelo nutricionista do NASF fere no aleitamento materno, como apontado em para a avaliação da situação de saúde e nutrição coorte realizada na capital paulista: as mães que daquela população, bem como decisões acerca não trabalhavam fora de casa apresentaram uma introdução mais tardia de outros tipos de leite e, Este não é o primeiro escore criado para tra- portanto, maior tempo de aleitamento mater- duzir as práticas alimentares infantis. Em 2006, no35. Estudo com 516 mães da cidade de Floria- na Índia, foi criado o Infant and Child Feeding nópolis encontrou associação entre baixa esco- Index (ICFI) e foi estudada sua associação com laridade materna e atividade fora do lar com in- o crescimento de crianças entre 6 e 23 meses. Este escore conta com cinco variáveis, sendo uma re- A associação entre as maiores pontuações do lativa ao tempo de introdução da AC, assim EIAC e a realização de menor número de consul- como o do presente estudo, dada a importância tas durante o pré-natal também foi encontrada que a introdução oportuna dos alimentos tem em inquérito domiciliar de abrangência nacional sobre o crescimento e desenvolvimento infantis; realizado na Índia e no Nepal, especificamente os demais componentes, contudo, tratam da di- para os riscos de não introdução da AC, de baixa versidade da dieta, da duração do aleitamento, diversidade da dieta, de baixa frequência das re- do apoio psicossocial durante a alimentação e de feições e de baixa aceitabilidade da dieta por par- Grande parte dos motivos citados pelas mães para a introdução precoce da AC está relacionada maiores valores de EIAC pode ser explicado pelo às suas crenças (36,8%) ou de parentes, e à crian- fato de o AM e a AC serem variáveis espelhares.
ça e suas necessidades (10,1%). Tal fato é concor- Uma vez que a mãe ofereceu qualquer alimento à dante com o estudo realizado em 200948, cujos criança, o AME chega ao fim, o que provavel- achados mostram que o principal motivo apon- mente levará a um tempo de AMT menor, já que tado pelas mães para introduzir sólidos antes das a criança começou a se alimentar com outros pro- 17 semanas foi a percepção de que seus filhos pre- dutos e, muitas vezes, com outros tipos de leite5.
cisavam ou estavam prontos para receber este tipo O EIAC foi criado pela escassez de indicado- de alimento. Em ambos os casos os indicadores res consistentes que descrevam, meçam e quanti- para tais motivos são subjetivos. No relato de fiquem as complexas práticas relacionadas à AC; uma mãe participante do estudo de Salve e Silva54, traduzidas na forma de um valor para estimar a percebe-se claramente a influência direta que as inadequação da alimentação infantil, que é mul- crenças e percepções maternas têm sobre a ali- tidimensional, podem constituir um indicador mentação infantil: “Uso a minha experiência, por- de risco nutricional em saúde. No presente estu- que já cuidei muito de criança. É natural da vida, do, o objetivo foi resumir no EIAC as idades de está com fome você dá comida. Quando você está introdução dos alimentos e o modo de preparo comendo perto dela parece que come com os olhi- da papa salgada, na forma de um único indica- nhos, abre a boca, fica com vontade.”.
dor para facilitar a análise das associações. É Por outro lado, 32,4% das mães relataram importante enfatizar a falta de recomendações ter tomado a decisão de introduzir a AC com internacionais claras sobre a AC, o que dificulta base nas condutas do pediatra; importante re- o desenvolvimento de indicadores universais e gistrar que estas mães praticaram o desmame de pontos de corte específicos22-24.
precoce associado a níveis insatisfatórios de saú- O EIAC tem o potencial de facilitar o planeja- de dos lactentes10. A falta de preparo e capacita- mento de programas e de servir como ferramen- ção dos profissionais de saúde em relação ao tema Ciência & Saúde Coletiva, 19(1):93-104, 2014 justifica a necessidade de treinamentos e educa- Outra ação que se mostrou simples, porém ção continuada, especialmente nas USF, onde facilitadora do trabalho do nutricionista foi a existe a possibilidade do trabalho em conjunto adição de questões referentes ao estado nutricio- de pediatras e nutricionistas por meio dos NASF5.
nal da criança e das práticas alimentares no ques- A necessidade de a mãe voltar ao trabalho para tionário já utilizado pelos ACS para identificar ajudar no sustento da família e assim ter que co- os domicílios e as famílias residentes na área de locar a criança na creche, foi o motivo apontado cobertura da USF e Equipe de SF. Tais questões por 12,5% das mães, frequência menor do que os foram pensadas para serem objetivas, em núme- 28,6% encontrados em estudo realizado em São ro reduzido, mas que ofereçam ao nutricionista Paulo, SP5; esta condição gera a necessidade de informações importantes para a identificação de articular as responsabilidades do trabalho com situações de risco e aquelas já instaladas. À luz as familiares, e a mulher assume as responsabili- dos resultados das associações com o EIAC, é dades de manutenção e sustento econômico, afe- possível identificar mulheres grávidas mais pro- tivo, de cuidado dos filhos e da casa55.
pensas a cometerem inadequações na AC que, Os achados deste estudo referentes à AC po- em uma percepção matricial na atenção, devem dem ter aplicabilidade nos processos de trabalho ser motivo de priorização das atividades coleti- das Equipes de SF e dos NASF na definição e vas comunitárias e da atuação da equipe.
reconhecimento do território de atuação, a par- A fim de se trabalhar com os profissionais da tir da análise da situação de saúde da população, equipe, pode-se discutir o significado do EIAC e considerando os aspectos culturais, sociais, eco- sua contribuição para o agendamento de visitas nômicos, demográficos e epidemiológicos53. A domiciliares e convite a participar de grupos. O atuação do nutricionista no NASF está em cons- escore é um instrumento pedagógico e facilita- trução e ganha estrutura a partir das experiênci- dor da comunicação na equipe, a ser trabalhado as de desenvolvimento e amadurecimento orga- por meio da educação nutricional a partir da nizacional da assistência em rede. Algumas ações problematização e contextualização dos casos testadas por ocasião deste trabalho de campo mostraram-se efetivas e bem aceitas, tanto pela As atividades educativas também foram rea- lizadas na creche e na igreja locais. Naquele caso, Foram realizados grupos de gestantes inter- os professores puderam aprender e tirar dúvidas disciplinares com a participação de ACS, enfer- sobre AM e AC, assuntos importantes visto que meiras e médicos, abordando questões relacio- todas as crianças realizam pelo menos três refei- nadas à alimentação da gestante e AM. Os resul- ções por dia na creche sob acompanhamento tados do EIAC poderiam fomentar, nesses gru- destes profissionais, potenciais estimuladores da pos, a discussão de temas relacionados à AC.
alimentação saudável desde os primeiros anos Com o mesmo foco, porém de forma indivi- de vida das crianças57. A aplicação do EIAC nesse dualizada, foram realizados atendimentos com contexto facilitaria a identificação de ações nas duração média de 20 minutos durante o pré-na- creches que inadvertidamente levam a inadequa- tal, abordando os temas ‘alimentação na gesta- ções na AC. Já na igreja local foram realizadas ção e preparo das mamas’ e ‘AM’ em diferentes oficinas culinárias contando com a participação trimestres. Por ser uma atividade individualizada, ativa das mães no preparo dos alimentos, o que é de interesse abordar aquelas mães identificadas foi estimulador especialmente para aquelas iden- como mais vulneráveis pela pontuação do EIAC tificadas como vulneráveis pelo EIAC.
(mães sem companheiro, chefes da família e com Ação promissora ainda não testada no âm- casa própria), para abordagem do tema ‘AC’.
bito do trabalho de campo é a realização de con- Visando complementar o grupo de gestantes sultas compartilhadas. A criação de protocolos e o atendimento nutricional no pré-natal, foram de atendimento com questões específicas sobre realizadas visitas domiciliares às puérperas e aos recém-nascidos a fim de acompanhar as práti- O presente estudo apresenta algumas limita- cas de AM e de introdução oportuna dos alimen- ções. O EIAC é um indicador para traçar o perfil tos. Este momento também é individualizado, da população do estudo, porém não considera o portanto, pode ser priorizado quando identifi- tempo de introdução de alimentos industrializa- cada a situação de risco nutricional, para abor- dos, consistência/textura da papa oferecida, uten- dagem em visita com o acompanhamento de um sílio utilizado no oferecimento da alimentação, ACS, profissional responsável pelo vínculo com horários e fracionamento das refeições, quanti- dade dos alimentos, bem como modo de preparo da papa. É importante ressaltar a ausência do tem- que as características da área geográfica e dos po de introdução do ovo na AC, tendo em vista a recente mudança nas recomendações que anteci-param sua oferta na AC de 12 meses para a partirdos 6 meses. Tal mudança, ainda hoje, leva a con- Conclusão
dutas diversas por parte dos profissionais, o quepoderia gerar um viés na composição do EIAC.
Indicadores de práticas alimentares podem ser Além disso, os dados obtidos neste estudo usados para compor um escore para acompa- são provenientes da área de cobertura de apenas nhamento da AC como parte das ações desen- uma USF, não sendo generalizáveis para todos volvidas pelo nutricionista na AB. Na perspecti- os municípios brasileiros. Apesar destas limita- va do trabalho matricial, ferramentas de apoio à ções, a intenção da coleta de dados foi realizar o assistência que viabilizem o reconhecimento do reconhecimento do território, com a identifica- território podem representar um recurso adicio- ção dos desvios mais frequentes na AC e de qual nal para a adequada abordagem das situações é o perfil mais associado a tais inadequações, dado Colaboradores
LA Mais e JAAC Taddei participaram da concep-ção, delineamento, análise e interpretação dosdados, redação e revisão crítica do artigo, e apro-vação da versão a ser publicada. SMA Domeneparticipou da concepção, delineamento, redaçãoe revisão crítica do artigo, e aprovação da versãoa ser publicada. MB Barbosa participou da con-cepção, delineamento e revisão crítica do artigo.
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DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-A Por parte de Portugal, o Acordo foi aprovado pelositado o seu instrumento de adesão em 30 de SetembroDecreto n.o 10/90, publicado no Diário da República, de 2004, conforme o Aviso n.o 205/2004, publicado no1.a série, n.o 82, de 7 de Abril de 1990. Diário da República, 1.a série-A, n.o 297, de 21 de Dezem-Nos termos do artigo X do Acordo, este

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